No concurso das mais arrebatadoras paisagens e obras-mestras portuguesas, o Alto Douro Vinhateiro, classificado pela UNESCO, em 2001, como Património da Humanidade, na categoria de paisagem cultural, arrecadou a maioria dos votos. O Cante Alentejano e a Aldeia Histórica de Piódão obtiveram, respectivamente, o segundo e o terceiro lugares. A competição foi lançada por uma marca de telemóveis e decorreu nas redes sociais. No final de uma corrida em que foram a jogo vários ícones nacionais, como o Vinho da Madeira, a Olaria, a Azulejaria, a Serra da Estrela ou a Serra da Freita, coube aos fotógrafos João Amorim e João Berardino dar o passo decisivo para a vitória de uma região, cujo vinho - o mundialmente conhecido e premiado vinho do Porto tem qualidade definida e regulamentada desde 1756 - é produzido por proprietários tradicionais há dois mil anos. Pertencem a estes fotógrafos as imagens dos imbatíveis socalcos que convenceram os portugueses que votaram.
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“O Douro Vinhateiro é um excelente vencedor da obra-prima de Portugal", afirmou João Bernardino, citado por vários órgãos de informação. "É uma região que conheço bem e a que volto sempre, com um misto de admiração e permanente surpresa. O vencedor podia ser outro de entre tantas obras primas, mas fica bem no Douro”, concluiu. Já João Amorim enfatizou a paisagem, as pessoas e o vinho. "Não há lugar como este", assegurou. "Embora seja fã de muitos outros lugares em Portugal, o Douro é um vencedor justo”.
A Obra-Prima de Portugal teve como objetivo promover as referências naturais, culturais, históricas, arquitetónicas e gastronómicas do país. Tendo a vitória recaído sobre o Douro Vinhateiro, uma região com menos de 200 mil habitantes, importa refletir sobre a excepcionalidade de um lugar que não deixa ninguém indiferente. O que é que o Douro, região da demarcação mais antiga do mundo, tem, afinal?
Quinta vinícola, em Adorigo, no Alto Douro Vinhateiro
Desde logo, tem o Rio Douro, que juntamente com os seus principais afluentes - o Varosa, o Corgo, o Távora, o Torto e o Pinhão - forma a espinha dorsal daquela dramática paisagem, protegida dos ventos atlânticos pelas serras xistosas do Marão e Montemuro. No Douro, os socalcos que tantas vezes parecem ondas douradas, e que deslumbram fotógrafos, moradores e investidores portugueses e estrangeiros, cobrem quase 25 mil hectares de terreno. Estes socalcos, em que cabem apenas uma ou duas filas de vinha, e que constituem uma das imagens mais instagramáveis do mundo, foram construídos pela primeira vez em finais do século XIX e alteraram de forma definitiva a paisagem, não só pela construção de muros que os suportam, mas também pela inclinação a que obedecem, para melhor poderem tirar partido do sol. No Douro existem belíssimas quintas de turismo, quase todas com piscina - desde 2011 que abre, em média, uma unidade hoteleira por mês - precisamente porque é possível apanhar ali banhos de sol em alturas do ano em que no resto do país a temperatura já está muito abaixo dos 20 graus.
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Outra virtude inimitável do Douro é o perfume que se sente nas margens do rio e nas encostas, resultado dos muitos campos de laranjas e maçãs. Todas as casas cultivam a sua própria fruta. E quase todos os proprietários o fazem à moda antiga. O horizonte é polvilhado por capelas e ruas sinuosas como serpentes, que espelham a tradição mas também a evolução dos tempos. De resto, se há lugar no Norte de Portugal que reflete a relação estreita do ser humano com o ambiente natural, esse lugar é o Douro, seja pelos recursos limitados da terra, seja pelos desafios que aquele território íngreme impõe a quem o cultiva. É também ali que mais se beneficia da coragem, da resiliência e do conhecimento da vinha ao longo de centenas de anos.
A classificação da UNESCO implica uma monitorização constante do estado geral desta paisagem histórica e única, e o resultado tem sido idêntico há mais de duas décadas: o estado geral é bom. "Existem alterações, mas não prejudicam a integridade", lê-se num dos últimos relatórios. A autenticidade desta região, cada vez mais desenvolvida e sustentável, e que não cessa de conquistar turistas, prevalece, pois, intacta. E já em 2023 ganhou mais uma espécie de prémio, que atesta a sua importância: Antónia Adelaide Ferreira (1811-1896), mais conhecida por Ferreirinha, mulher de coragem e empresária de garra que foi uma lenda no Douro Vinhateiro do século XIX, dará o nome à nova ponte que vai ligar o Porto a Vila Nova de Gaia. Numa época em que as mulheres nada podiam, foi ela uma das pessoas que mais contribuiu para a afirmação do vinho do Porto no mundo.
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